O BEIJO DO BEIJA FLOR.

De todos os pássaros, os beija-flores são os que mais fascinam, suas cores brilhantes: verde, azul, preto. Nunca vi, mas sei que alguns tem cores vermelhas. Flutuam no espaço como nenhum outro pássaro. suas asas batendo com uma velocidade tal que os tornam invisíveis. e a velocidade do seu voo.
Pairam no ar, imoveis, sugando a flor.
De repente transformam-se em flechas que disparam pelo ar vivem do mel das flores.
Foi assim a primeira vez: como o beijo manso e inofensivo de um beija flor; você sentiu sua língua doce entrando no seu corpo. de repente tudo ficou colorido, brilhante, leve, alegre.
Como se você estivesse sendo tocado pelos Deuses que bom se a vida fosse sempre assim! O beija flor se foi e sua vida voltou ao que era, o cotidiano de sempre que lhe parecia bobo e sem sentido. A vida ficará muito mais bonita com o beijo do beija-flor! O beija flor voltou. Você ficou alegre a experiencia se repetiu, você pediu que ele lhe enfiasse seu fino bico como da primeira vez. Esses beija-flores sempre obedecem.
Você não percebeu que a linguinha do beija flor estava um pouquinho maior, entrava mais fundo em você. Mas que importância tinha isso diante da alegria que o beija flor lhe trazia?
Ai o beija flor se transformou em seu pássaro encantado. Você pensava nele durante a sua ausência e sua vida passou a ser uma espera sem retorno.
Cada vez que ele voltava sua língua ficava um pouco maior. Ia mais fundo, dividiu-se em varias. passou a entrar em muitas direções do seu corpo e da sua alma ao mesmo tempo. O beija flor já não era o passarinho inofensivo do primeiro dia. Cresceu, você percebeu que tinha garras em seus pés; e havia anzóis em sua língua  Você começou a querer livrar-se deles; mas ele já havia cavado buracos profundos no seu corpo e na sua alma. Na ausência do beija flor esses buracos doíam com uma dor insuportável.
Mas ele sempre voltava, tão diferente! e fazia a dor passar.
Agora o que ligava ao beija flor não mais era o prazer do primeiro dia. Era o prazer (tolo) de ver a dor passar.
A mitologia grega conta de um herói, PROMETEU; que desafiou os Deuses, roubou o fogo e deu-o aos homens, com castigo ele foi acorrentado numa rocha e um abutre vinha diariamente comer um pedaço do seu figado.
PROMETEU É VOCÊ! O beija flor o enganou, disse-lhe que era possível ter a felicidade dos Deuses sem fazer esforço, bastava aceitar o seu beijo. Você menino bobão, acreditou! agora você esta acorrentado num rochedo. Você já notou que o beija-flor deixou de ser um beija-flor? que ele se transformou num abutre?
Vá diante de um espelho!
Olhe-se com atenção. veja a que lixo você foi reduzido.
O caminho em que esta tem apenas três fins possíveis:
O primeiro deles, o melhor,  o que tem menos sofrimento é a morte.
O segundo, a loucura.
Esta carta foi escrita admitindo a hipote-se de que você queira quebrar as correntes. Se você não quer nem precisa continuar a ler. Será uma perda de tempo.
Há uma coisa que se chama SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA, ela é a dor que se sente na ausência do beija-flor - abutre.É dor física, é  ansiedade, é angustia, é panico, é desespero, tudo junto. Para se livrar dessas dores você será capaz de fazer qualquer coisa. Você perde a razão. Ai para que você não faça essa qualquer coisa, pessoas que amam, se é que elas existem, tomam uma providencia INTERNAM VOCÊ NUMA CLINICA; Internação em clinica é um artificio de força a que se recorre para impedir que você faça a tal qualquer coisa, na esperança de que depois de muito sofrimento a dor vá passando e as correntes fiquem mais fracas.
De fato, com o tempo, as dores passam, como passam também as dores que se tem quando uma pessoa querida morre. Com uma diferença, quem sofre a perda de uma pessoa amada sabe que não há nada que se possa fazer que ela volte.
Então ela nem tenta. convive com sua dor. Não há outra alternativa.
Mas esse não é o nosso caso, o buraco parou de doer, mas ele continua lá, continuam as memorias das experiencias divinas, e as memorias tentam, ah! como tentam! Enos dizemos, já estou livre! Só uma vez! só uma ultima vez; vez de despedida, não haverá outra...
Jesus era sábio, conhecia as artimanhas da alma e contou uma parábola... A estória de uma casa onde morava um demônio. Ai o dono da casa ficou cheio com o demônios o pós pra fora. Vazia à casa, ele varreu, pintou as paredes e decorou. Mas ficou vazia. Passado uns dias o tal demônio, vagando pelas redondezas, passou pela casa onde morava e se surpreendeu... VAZIA??? AINDA NÃO TEM MORADOR? Foi e chamou outros demônios e se alojaram na casa. Jesus termina a parábola dizendo que o estado da casa ficou tão pior do que era antes. O DEMÔNIO MORA NO VAZIO.
Passada as dores da síndrome da abstinência, o seu maior inimigo será o vazio. Como diziam os filósofos antigos, a natureza não suporta o vazio. O Vácuo ¨chupa¨ o que está ao seu redor. com o que concordam os que conhecem a alma; O vazio é o lugar preferido dos demônios. Esta é a razão por que os misticos iam para o deserto, onde não havia ninguém, não para ter paz, e sim para medir força com os demônios.
E Jesus foi levado pelo espirito ao deserto para ser testado pelo demônio.
Agora, que você está livre da síndrome da abstinência, trate de encher o seu vazio.
se você não encher, os demônios voltarão.
Para lidar com o vazio nada melhor do que trabalho corporal, braçal, as atitudes intelectuais de que tanto gosto podem ser perigosas. Leitura, poesia, meditação, são remédios fracos; fracos porque eles são vizinhos do mundo do beija-flor.
Atividades intelectuais e espirituais, frequentemente tem efeitos parecidos com os das drogas.
Marx estava certo quando comparou a religião ao ópio (não tenho nada contra a religião).
Freud estava certo quando se referiu ao poder inebriante da musica que nos torna ébrios.
Aconselho a qualquer um que saiu da síndrome da abstinência se ocupe de coisas novas, que abra mão de seus hobbies e antigos costumes. Você precisa de alguém, ligado a trabalhos corporais, que saiba de sua situação e que o aceite como aprendiz.
E é preciso não estar sozinho. Batalha que se batalha com os outros é batalha que pode ser ganha. Os de A.A e N.A. (alcoólicos e narcóticos,  anônimos), os vigilantes do peso sabem disso.
A vida com todas as suas limitações e frustrações merece ser vivida.
As margens do caminho esburacado há morangos que podem ser colhidos e comidos. Trate de viver. Trate de comer os morangos, esforce-se por ser feliz.

texto de Rubens Alves / Jornal correio popular Jan/2001.

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