DROGAS, DELÍRIO, ILUSÃO E ALUCINAÇÃO

DROGAS, DELÍRIO, ILUSÃO E ALUCINAÇÃO.
Por: Elisaldo A. Carlini. / Revista: Scientific American Brasil nº 38.

ALTERAÇÕES MENTAIS TAMBÉM PODEM OCORRER COM A INGESTÃO DE SUBSTÂNCIAS SINTÉTICAS, SENDO A MAIS CONHECIDA O LSD25.
Algumas drogas alteram profundamente a percepção ou a ideação do ser humano frente a vários estímulos ambientais.
Conhecidas como drogas psicodislépticas, psicodélicas ou pertubadooras do sensório ou alucinógenas, elas podem estar em plantas, produtos de animais e substâncias sintéticas.
Possivelmente o mais antigo texto em português sobre uma boa viagem produzidas por uma dessas drogas, no caso a maconha (bangüê), seja o de Garcia de Orta, escrito em 1.563 no livro colóquios dos simples e drogas da Índia: E o que se conta... He que os grandes capitães,...acostumavam embebedar-se ... com este bangüê, para se esquecerem de seus trabalhos, e nam cuidarem, e poderem dormir;
...E o gram Soltão Badur dizia a Martim Affonso de Souza, a quem elle muito grande bem queria e lhe descobriria seus secretos, que quando de noite queria ir a Portugal e ao Brasil, e à Turquia, e à Arabia, e à Persia, não fazia mais que comer um pouco de bangue.
No Brasil o que pode ter sido a primeira menção sobre uma ma viagem foi publicado em 1866 na gazeta Médica da Bahia, pelo médico baiano J. Silva Lima, ao descrever a intoxicação de dois escravos pela Datura suaveolens, popularmente conhecida como trombeteira, zabumba, cartucho, véu de noiva, saia branca, beladona. Relata Lima: Dous pretos africanos, ambos escravos, Pedro de 35 a 40 anos, e João de 25 a 30 anos, sofriam de dores reumáticas, e, como é freqüente entre elles, em vez de se queixar a seu senhor, consultaram a um curandeiro, também preto, o qual aconselhou banhos com consentimento de umas folhas... Tomaram, cada um, porem, 2 xícaras d’aquele cozimento, e deitaram-se logo. Uma hora depois acordaram com dores pelo ventre, e vômitos; estavam alucinados... Paralíticos a ponto de não se poderem erguer... fui chamado a visitar estes doentes no dia seguinte às 8 horas da manhã. Já podiam caminhar, mas estavam ainda trôpegos e alucinados, vendo objetos imaginários, fantasmas, ratos a passear pela camada etc., de que procuravam fugir dirigindo-se para a porta. Ambos tinham as pupilas dilatadas... a boca e fauces nada ofereciam de notável... Na panela que servira para fazer o cozimento estavam dois ramos com muitas folhas e algumas flores rudimentares, de uma planta que conheci ser a trambeteira.
Um grande número de drogas provoca boas e más viagens. Mas essas duas manifestações mentais podem também ser produzidas por uma mesma droga dependendo de quem a usa e em quais cincustancias. Esse fenômeno foi magistralmente descrito pelo Charles Baudelaire, no século XIX, no livro paraísos artificiais: O cérebro e o organismo sobre os quais opera o haxixe, oferecerão apenas seus fenômenos comuns, aumentados, é verdade, mas sempre fiéis às suas origens. O homem não escapará à fatalidade de seu temperamento. O haxixe será um espelho que aumenta, mas um simples espelho... O homem quis sonhar, o sonho governará o homem, mas esse sonho será o filho de seu pai.
Se você estiver em um ambiente favorável, como uma paisagem pitoresca, ou em um quarto poeticamente decorado, e se, além disso, puder contar com um pouco de música, então puder contar com um pouco de música, então tudo vai melhor, mas é preciso ter cuidado!  Que não haja nenhuma tristeza, nenhuma dor de amor. Essa infelicidade, essa inquietude, soarão como um dobre de finados em meio à sua embriaguez e envenenarão o seu prazer.
Alterações mentais podem também surgir com a ingestão de substancias sintéticas, sendo a mais conhecida o LSD25. O cientista suíço Albert Holfmann, ao se intoxicar acidentalmente com a dietilamina do ácido lisérgico, relatou “na tarde de 16/4/1943 fui atacado por uma incomum sensação de vertigem e inquietação. Objetos e o aspecto de meus colegas de laboratório pareciam sofrer mudanças ópticas. Não conseguindo concentrar-me em meu trabalho e num estado sonambulismo fui para casa, onde uma vontade irresistível de deitar apoderou-se de mim. Fechei as cortinas do quarto e imediatamente cai em um estado mental peculiar, semelhante à embriaguez, mas caracterizado por uma imaginação exagerada. Com os olhos fechados, figuras fantásticas de extraordinária plasticidade e coloração surgiram diante de meus olhos”.
Holfmann fez mais. Administrou o LSD25 a um cientista amigo, e este sob a ação do “acido’, retratou o cientista ao longo de horas, originando uma fantástica série de figuras. Alterações da percepção podem ser vistas em outros quadros, como o de um artista checoslovaco que, sob ação do LSD25, pintou os seus braços desgarrados do corpo, com mãos enormes. A alteração da percepção do próprio corpo, com o braço e a mão enormes movimentando-se até a cabeça é dramática aqui. Esse fenômeno é chamado de cinestesia, e pode manifestar-se de diferentes maneiras.
Existe ainda outro fenômeno denominado sinestesia que se caracteriza pelo fato de o usuário perceber um estímulo sensorial como se fosse outro estímulo.
A seguir temos a narrativa dessas duas gritantes alterações de percepção, por uma mesma pessoa que, em duas ocasiões e sob a ação de duas drogas diferentes, em ambiente do laboratório.
·         Cinestesia sob efeito do -9-THC: “minhas pernas estão se enrolando em torno dos pés da cadeira em que estou sentado; já deram várias voltas e não consigo endireitá-las. Ajude-me! Agora os meus pés estão se enterrando no solo e criando raízes lá embaixo. Me ajude! Tenho medo, vou ficar preso aqui para o resto da vida”.
·         Sinestesia em ambiente experimental de laboratórios sob o efeito do LSD25 ouvindo musica de Vivaldi.
REALIDADE ALTERADA
As alucinações são comuns em certas enfermidades psiquiátricas, sem que o doente tenha tomado qualquer droga. A descrição a seguir, feita por um não usuário participando de um experimento, agora com – 9-THC, revela bem os processos de alucinação e alucinose, ocorrendo todos no mesmo experimento, sentado em uma cadeira no laboratório cerca de uma hora após a ingestão do – 9-THC: “olhe só este caldeirão com um suco vermelho borbulhando e contendo raviólis (alucinação). Está me deixando com muita fome”.
Cerca de 3,5 horas depois, em um restaurante, acompanhado do pesquisador, mastigando alimento: Estou vendo meus dentes revestidos por botas amassando pedaços de chocolate como se eu estivesse pisando em um pântano (alucinose).
No estudo “psicoses químicas” o psiquiatra americano Leo Hollister afirmava ser possível fazer diagnóstico da droga causadora de alterações mentais, a não ser que tivesse em mãos um exemplar dela; não existiria um padrão de alterações mentais ou um mecanismo especifico de ação para cada um dos muitos psicodislépticas conhecidos pelo ser humano.
De fato, como atribuir os efeitos da trombeteira, da maconha e do LSD25, apenas para mencionar os citados neste artigo, a um mecanismo comum de ação? Da trombeteira sabe-se que duas substâncias nela presentes – a atropina e a escopolamina – seriam as responsáveis pelo efeito, mas através de que mecanismo da ação no cérebro?
Na maconha, existe um principio ativo – o -9 tetra-hidrocanabinol (-9-THC), mas como essa substância agiria no sistema nervoso central?
A mesma indagação cabe para psicodislépticas sintéticos, como o LSD25, como ele age?
E interrogações semelhantes poderiam ser formuladas para dezenas de outras drogas que produzem efeitos psíquicos que se assemelham: como a mescalina isolada do cacto mexicano lophophora williamsii (peiote ou mescal); a dimetiltriptamina  (DMT) presente na planta psychotria viridis (a rainha da bebida ayahuasca); a psilocibina do cogumelo psilosybe mexicana (a – teonanacatl – carne dos deuses – dos astecas). O mesmo pode ser dito em relação a muitos outros psicodislépticos sintéticos, entre as quais LSD25 e o ecstasy ou MDMA (metileno-dioximetanfetamina).
No entanto, em meados do século 20, a ciência começou a esclarecer como funcionam os neurônios. São muitos bilhões de células cerebrais que se comunicam entre si através de mensageiros químicos, ou neurotransmissores. Essas estruturas atravessam a fenda sináptica e interagem e interagem com certas moléculas na membrana pós-sinápticas do neurônio vizinho, os chamados receptores.
São dezenas os neurotransmissores presentes no cérebro dos mamíferos, inclusive nos do cérebro humano, e suas estruturas já foram dominadas. As semelhanças estruturais entre os neurotransmissores serotonina e dopamina com o DMT e a mescalina, respectivamente, levaram os pesquisadores a formular duas teorias, até hoje vigentes, embora não totalmente provadas.
Por serem os sintomas espontâneos de algumas doenças mentais quase que idênticos aos descritos quando pessoas normais tomam as drogas psidislépticas, julgou-se que aquelas doenças pudessem resultar de alterações que ocorreriam, por causas desconhecidas, na fisiologia daqueles neurotransmissores, sem influencia externa (de drogas).
Surgiu assim a teoria dopaminérgica de esquizofrenia e várias outras.
Em contraposição, as drogas psicodislépticas poderiam interferir na fisiologia normal dos neurotransmissores cerebrais de pessoas mentalmente sadias, perturbando seu funcionamento, originando assim sintomas anormais, o que se convencionou chamar de psicose químicas. Uma vez metabolizada a droga pelo organismo, os sintomas anormais desaparecem.
Essa teoria, no entanto, é apenas parcial, pois não explica a diversidade dos fenômenos mentais produzidos por uma mesma droga psicodisléptica, ou o fato de diferentes drogas ocasionarem os mesmos efeitos psíquicos nem tampouco por que uma mesma pessoa reage diferentemente a uma mesma droga de acordo com o seu momento e condições do ambiente.
Finalmente, para alguns as alterações mentais trazidas pelos psicodislépticos não são anormais; pois revelariam outras dimensões do psiquismo humano.
Assim, por exemplo, a palavra “ayahuasca” significa “vinho de alma” no idioma dos índios quéchua. Ela é preparada a partir de duas plantas amazônicas e foi incorporada aos cultos ayahuasqueiros como os do santo-daime e da União do Vegetal. E segundo a antropologia esses índios acreditam que ela traz o verdadeiro sentido da vida, pois o viver o cotidiano é uma quimera. Uma falsidade. 

Comentários

Postagens mais visitadas