O CRACK BATE À NOSSA PORTA.

Fonte: REVISTA VEJA 25/01/2012.

Transformado em munição na briga entre partidos políticos, o crack invade as casas de classe média. Neste caso, a porta de entrada para a droga é a cocaína.
POR QUE O CRACK VICIA TÃO RÁPIDO?

            Até hoje não se conhece nada que provoque no cérebro um aumento tão grande de dopamina, o neurotransmissor que reguia a sensação de bem-estar. Assim, bastam algumas experiências com a droga para que o mecanismo cerebral responsável pelo sistema de recompensa passa a registrá-la como fonte mais intensa de prazer.

            A desocupação da área do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia produziu até agora a demolição e o emparedamento de 24 prédios, ocupados por viciados. 113 internações voluntárias e uma falação sem fim, à qual se juntaram, na semana passada, representantes de partidos políticos. Representantes de partidos políticos. Tendo o crack por munição e a sigla adversária como alvo. O presidente do PT na capital paulista. Antonio Donato declarou: “A Cracolândia é uma marca do governo tucano”. Ao que o governador Geraldo Alckmin, apontando o dedo para o governo federal. Respondeu: “São Paulo não produz cocaína. Como é isso entra no país?”. A discussão sobre a disseminação do crack surgiu na campanha presidencial de 2010 e deverá ser um dos temas centrais nas disputas municipais deste ano. Será um alento para São Paulo, e para o Brasil, se desse tiroteio retórico surgirem ações eficazes para dizimar uma epidemia que segue em curva ascendente e velocidade apavorante. “Há dez anos, 200.000 brasileiros haviam tido contato com o crack. Em uma década, esse número saltou para 800.000”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da UNIFESP, um dos maiores especialistas do país no assunto.
            Além de romper as divisas estaduais – 91% dos municípios do país já têm viciados -, o crack derrubou as barreiras de classe. Há muito deixou de ser um mal que devasta só marginal e moradores de rua para bater às portas de classe média. Em Dezembro, o instituto nacional de políticas públicas do álcool e drogas traçou um perfil da população da Cracolândia de São Paulo e descobriu que, do total de 178 ocupantes, dezessete tinham curso superior completo. Outros 24 jovens estavam matriculados em faculdades – dois deles em cursos de medicina. A mudança no perfil dos viciados fica evidente quando se olha o que ocorre nas clinicas de recuperação. Nas mais caras do país, com mensalidades que podem chegar a 50.000 reais, o crack se tornou a droga dominante. Antes, praticamente todos os pacientes vinham por causa de bebida ou cocaína. Nos últimos cinco anos, o numero de viciados em crack subiu 60%, diz o psiquiatra Pablo Roing, proprietário da clinica Greenwood. “hoje, é o nosso principal problema.”
Um mês de internação na greenwood, em Itapecirica da Serra, SP, custa até R$ 23.000,00.
Por que pessoas com alto padrão social que tem família, estudaram em bons colégios e viajaram para exterior se arriscam a experimentar um entorpecente cujo uso está associado a mendigos e indigentes e que, sabem, poderá dilacerar sua vida? A resposta é: isso se tornou uma etapa quase natural na trajetória dos usuários de droga. Diz o delegado Wagner Giudice, diretor do departamento de investigações sobre narcóticos (denarc) de São Paulo: “os pobres costumam ir direto do álcool para o crack. Já a classe média está fazendo outro percurso: começa na bebida, passa pela maconha, vicia-se em cocaína e acaba no crack”.
A reportagem de VEJA constatou essa situação ao longo de conversas com 22 pessoas que se encontram em tratamento para se livrar do crack ou já o concluíram.
Todas relataram histórias praticamente idênticas: utilizavam cocaína e nem pensavam em consumir crack. Um dia – estimuladas por amigos ou porque os traficantes que as abasteciam estavam sem pó para vender – decidiram experimentar as pequenas pelotas de cor amarelada queimadas em cachimbos improvisados. “estimamos que 40% das pessoas que usam cocaína regularmente no Brasil já fumaram crack. E esse número tende a crescer”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira.
O crack vicia tão rápido que, para o usuário, muito freqüentemente, a primeira, a primeira tragada marca o começo do fim. A primeira tragada marca o começo do fim. A partir dela, pobres e ricos se igualam na trajetória de autodestruição. Em três anos, a quase totalidade dos viciados estará gravemente doente, terá se envolvido em crimes e visto a família se desmantelar. No fim do quinto ano de consumo, um terço deles estará morto – em geral, pelo comportamento de risco que passam a apresentar.
As vitimas de homicídios e oversode são as mais freqüentes. A velocidade com que o crack torna o usuário dependente se deve ao impacto com que ele atinge o cérebro. A droga é produzida a partir da pasta base de coca, matéria-prima que pode se transformar também em cocaína – a escolha é feita pelos produtores de acordo com a demanda local. Para os traficantes, o crack apresenta mais vantagens do que a cocaína, devido à qualidade e à velocidade com que é consumido.
Para o usuário, a diferença está na sensação que o crack e a cocaína provocam. O efeito do primeiro é muito mais intenso por causa da maneira como o organismo absorve o principio ativo comum às duas drogas, o cloridrato de cocaína. A parte interna de uma narina tem cerca de 4 centímetros quadrados. É esse o espaço que entrará em contato com o cloridrato. Como o crack é fumado, a, substancia vai para os pulmões, cujos alvéolos, desdobrados, apresentam 80 metros quadrados – a metade de uma quadra de tênis. A quantidade de cloridrato absorvido em uma tragada é brutal. No cérebro, o crack eleva em 900% o nível de dopamina, o neurotransmissor que regula a sensação de prazer. Nada provoca estimulo tão poderoso.
Se ricos e pobres se igualam na desgraça, voltam a se diferenciar no momento de sair dela – ou tentar sair. Evidentemente, têm mais chance aqueles que pagam para se internar em boas clinicas com acompanhamento medico e psicológico em tempo integral. Mesmo assim, 90% dos que fazem sofrem recaídas nos primeiros oito meses. Metade desiste durante o processo e volta de vez para as pedras. Dos que persistem e passam até um ano em tratamento, 90 % conseguem voltar a estudar ou trabalhar – ainda que, em grande parte das vezes, nunca consigam se livrar de recaídas eventuais. A fumaça insidiosa do crack agora se infiltra pelas frestas das casas de classe média. E, uma vez La dentro, custa a se dissipar.

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