Aspectos familiares de meninas adolescentes dependentes de álcool e drogas

Existe consenso na literatura sobre a heterogeneidade entre os dependentes de substâncias psicoativas. Aliada à necessidade de encontrar tratamentos e estratégias de prevenção mais eficazes, existe uma tendência entre os pesquisadores a delimitar subgrupos de dependentes que se beneficiariam de abordagens mais específicas. Entre esses subgrupos, destacam-se as mulheres e os adolescentes.
Desde a Segunda Guerra Mundial, observa-se um significativo aumento nos transtornos relacionados com álcool e outras drogas na população feminina. O início do consumo de substâncias psicoativas ocorre cada vez mais cedo, aumentando o risco de dependência. Neste artigo, o termo drogas é usado para referir-se às substâncias psicoativas em geral, incluindo o álcool. A consideração conjunta desses dois subgrupos, mulheres e adolescentes, ou seja, a adolescente do sexo feminino, leva à caracterização de uma população ainda mais específica para o estudo das dependências químicas. Ressalta-se que existem poucas pesquisas sobre adolescentes dependentes de drogas e, muito menos ainda, sobre meninas nessas mesmas circunstâncias, o que mostra a importância da abordagem do presente tema. O propósito deste artigo é revisar a literatura para conhecer mais sobre as características familiares de meninas dependentes de drogas.
Gomide aponta que a família ainda é um lugar privilegiado para a promoção da educação. Mesmo que o jovem passe a conviver mais em outros ambientes, como escola, clubes e shoppings, é no seio da família que os valores morais e os padrões de conduta são adquiridos. Somente quando esses valores morais não são adquiridos adequadamente durante a infância é que os outros ambientes poderão ter influência de risco na adolescência.
Kumpfer e Alvarado relatam que famílias com fortes laços afetivos e pais com papéis efetivos são cruciais para a prevenção de comportamentos antissociais na adolescência. Esses comportamentos podem se manifestar de várias maneiras: roubos, uso de drogas, prostituição, entre outros. Entre as causas conhecidas do comportamento antissocial, está a dinâmica familiar em que a criança está inserida.
Duncan et al. consideram que as famílias de adolescentes dependentes de álcool são mais disfuncionais que as famílias de adolescentes não dependentes dessa droga. Diante disso, faz-se necessário um estudo para esclarecer quais aspectos da família são reconhecidamente importantes para o desenvolvimento e a manutenção da dependência química em meninas adolescentes.
Poucos são os trabalhos encontrados na literatura que se referem somente a famílias de meninas dependentes químicas. A maioria dos estudos é mista e avalia os mais variados aspectos familiares. As pesquisas que serão apresentadas a seguir mostram que diversos aspectos do universo familiar podem atuar como fatores que propiciam o envolvimento do adolescente com substâncias psicoativas. O universo familiar dessa população é, na maioria das vezes, apontado como sendo disfuncional. Em estudo recente,
Baumann et al. relatam que, em relação à dependência de medicamentos psicotrópicos (para alívio de dor de cabeça, insônia, ansiedade, cansaço e nervosismo), além de as meninas fazerem maior uso que os meninos, há associação desse uso com questões familiares em ambos os sexos. Tanto as meninas quanto os meninos vivem, segundo esses autores, em uma atmosfera familiar precária, ou seja, percebem a família como negativa, sem laços estreitos, não há apoio nem felicidade nesse ambiente, além de não existir uma hierarquia bem definida.
O trabalho de Yen et al. relaciona aspectos familiares à dependência de drogas e internet. Esses autores verificaram que há um alto grau de conflito entre os pais e a adolescente nessas famílias; eles brigam e discutem em função da inabilidade dos pais em pôr limites, o que faz com que a adolescente não respeite as normas e as regras estabelecidas por eles. Pais com alto grau de conflito com suas filhas permitem que exista um distanciamento dos laços afetivos, o que, muitas vezes, faz com que a adolescente se vincule à droga.
Wild et al. também relatam que se a adolescente não tem um bom relacionamento com a família, este pode ser substituído pela relação com o grupo de pares desviantes, o que as coloca em risco de dependência de drogas. Outro tema importante são as novas configurações familiares. Em decorrência do alto índice de divórcios ou mesmo de mães que assumem sozinhas a maternidade, hoje é bastante comum a família monoparental, ou seja, aquela na qual o filho é criado somente pelo pai ou pela mãe.
Weitoft et al. relatam que as meninas parecem se adaptar melhor a esse estilo familiar que os meninos. Contudo, apesar de elas se adaptarem melhor a essa realidade, os adolescentes que são criados por ambos os pais ainda estão mais protegidos da dependência de drogas que os que são criados por famílias monoparentais . Todos os estudos parecem convergir para um consenso: famílias disfuncionais, ou seja, aquelas nas quais existe um funcionamento patológico com relação à comunicação, estabelecimento de regras e limites, e falta de afeto, costumam ser o tipo mais encontrado em adolescentes dependentes de drogas . Corroborando esses achados,
Diez, em um estudo com 1.100 adolescentes de ambos os sexos que procurava identificar aspectos familiares relacionados ao consumo de álcool nessa população, encontrou insatisfação do adolescente com a família, comunicação familiar patológica na qual não existe espaço para expressar sentimentos, ideias e opiniões, falta de respeito entre os membros e falta de expressão de afeto e apoio. Não se sentir acolhido no seio familiar pode levar o adolescente a se envolver com o grupo de pares desviantes que fazem uso de substâncias, muitas vezes na tentativa de compensar o vazio deixado pela família.
Guiot et al. demonstram, em seu estudo com adolescentes de ambos os sexos dependentes de álcool, que eles vêm de famílias mais distanciadas que não se envolvem em atividades conjuntas. A coesão familiar, ou seja, a proximidade entre os familiares, parece influenciar a dependência de drogas. Florenzano et al.ao estudarem adolescentes de ambos os sexos, encontraram uma correlação entre famílias com baixo nível de coesão e jovens com envolvimento com drogas. Outra questão abordada em alguns estudos é a comunicação familiar patológica, que seria outra característica das famílias de meninas dependentes de drogas.
Pratta e Santos revelam, em seu estudo comparativo entre adolescentes dependentes e não dependentes de drogas, que um ambiente familiar no qual não existe espaço para expressar sentimentos, ideias e opiniões nem outra possibilidade de ser ouvido e/ou compreendido é apontado pelas adolescentes dependentes de drogas como um dos aspectos negativos da dinâmica familiar. Para esses autores, a comunicação familiar é fundamental, uma vez que funciona como um dos meios para que a relação entre pais e filhos seja satisfatória. Além de pertencerem a lares conflitivos e disfuncionais, parece que essas meninas são mais sensíveis ao reagir a esse ambiente que os meninos.
Para Tomori et al. as meninas relatam maior índice de conflito familiar e reagem mais ao estresse emocional decorrente de brigas/discussões com os pais ou a família em geral. Esse fato indica que o clima familiar influencia diretamente o estado emocional dessas meninas.

http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n2/05.pdf

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