TRATAMENTO DE COCAINA
Perguntas e respostas
sobre o tratamento da dependência de cocaína – uma orientação para
pacientes e familiares
1) Em
primeiro lugar, o que é tratamento?
O
tratamento da dependência de cocaína é o conjunto de medidas tomadas
pelo médico e por sua equipe, no sentido de ajudar o dependente
a ficar e a se manter abstinente da droga. O tratamento depende
da motivação do indivíduo para se tratar, da colaboração da família
e da equipe que vai atendê-lo(a).
2)Por que tratar a dependência
da cocaína?
O indivíduo dependente de cocaína
acaba por sofrer problemas em praticamente todas as esferas de sua
vida: afasta-se dos amigos e da família, sofre os problemas decorrentes
do uso da droga. Pode ter problemas legais (por exemplo: prisão
por roubo ou por porte de drogas), não consegue manter seu emprego.
Além disso, é comprovado em alguns
estudos que indivíduos dependentes de cocaína que procuram tratamento
têm ao longo do tempo menos complicações do que aqueles que não
procuram (BERNIK, 1991).
Essas são razões suficientemente
fortes para que se justifique o tratamento de dependentes de cocaína.
3) Quem se beneficia do tratamento?
O
indivíduo dependente de cocaína, sua família, as pessoas com quem
vive e a Sociedade. O indivíduo dependente de cocaína é quem mais
ganha com o tratamento.
4)Quais são as razões para
a procura de tratamento?
As
pessoas que procuram tratamento para dependência de cocaína, em
geral, são aquelas que apresentam uma série de problemas pela droga,
sendo muitas vezes trazidas pela família e não admitindo o problema
que têm com a droga. Esses indivíduos, com certeza, precisam de
tratamento.
5) Como é o tratamento?
Dividiremos
o tratamento básico para dependência de cocaína em fases ou etapas
(CARROLL, 1994):
- Etapa 1. Promoção de abstinência (desintoxicação)
O(a)
dependente de cocaína deve ficar sem usar essa droga e quaisquer
outras (como álcool e maconha), até a semana seguinte.
É
estipulado um contrato, em que deverá obedecer algumas regras:
a) Abstinência total
de todas as drogas, incluindo álcool (pois o álcool, e também
a maconha, podem desencadear uma "fissura" pela cocaína);
b) Evitar contato com usuários
e traficantes (que fatalmente levarão o indivíduo a usar a droga
de novo);
c) Eliminar todos os objetos
relacionados ao uso de drogas que o(a) dependente tem em casa
(como cachimbos, espelhos, etc. - é o que se chama de "parafernália").
Com a ajuda da família, esses objetos devem ser jogados fora,
pois a simples visão deles pode desencadear uma "fissura",
levando ao uso da droga;
d) Fazer um diário (escrever
diariamente sobre sua rotina, a vontade de usar cocaína, o que
faz quando tem vontade, etc.);
e) Manter atividades corriqueiras
ou, se está desocupado(a), esquematizar uma nova rotina de atividades.
O indivíduo não deve ter tempo nem para pensar na cocaína,
pois isso já é meio caminho para usá-la. Não há nada pior do
que o ócio!
f) Frequentar um grupo de auto-ajuda
como os "Narcóticos Anônimos", onde o indivíduo poderá
discutir seu problema com outros dependentes, podendo encontrar
no grupo, sempre, encorajamento e apoio (gratuitos) (WASHTON,
1989).
- Etapa 2. Tratamento das complicações
Essa etapa ocorre ao mesmo tempo em que ocorre a primeira
etapa, de promoção de abstinência. São tratadas as complicações
pelo uso da droga – por exemplo: o indivíduo dependente de cocaína
pode apresentar crises de convulsão, alucinações, não conseguir
dormir noites inteiras, etc. devendo receber, a depender do caso,
medicação apropriada.
- Etapa 3. Prevenção de recaídas
Nessa etapa o médico já sabe mais
da rotina de seu(sua) paciente e do que pode levá-lo(a) a usar a
droga, sendo que o diário pode fornecer informações valiosas. Procura-se
prevenir que o indivíduo use cocaína novamente.
Nessa fase, o indivíduo dependente
de cocaína já deve iniciar uma mudança em seu estilo de vida,
de modo a fazer o que gosta, mas sem a participação da cocaína.
Essa fase dura 1 ano e evidentemente,
as regras do contrato inicial devem ser obedecidas à risca, pois
disso dependerá o bom andamento do tratamento.
- Etapa 4. Recuperação avançada
Dura toda a vida. O indivíduo nunca mais poderá usar cocaína,
maconha, álcool e outras drogas, sob pena de voltar à sua antiga
situação (muitas pessoas não devem nem querer lembrar disso). Deverá
fazer uso do que aprendeu durante as outras etapas, devendo estar
consciente de que nem sempre terá um médico por perto para ajudá-lo(a).
6) Como a família do dependente
de cocaína pode ajudar?
A família pode ajudar complementando dados que o(a) paciente
dá ao médico, socorrendo o(a) familiar nos momentos mais difíceis,
ajudando-o(a) no cumprimento do contrato terapêutico, lembrando-o(a)
de tomar sua medicação (caso use) ou envolvendo-se em grupos de
orientação contra as drogas na comunidade. Lembremos que fazer tudo
isso não é nada fácil, e por isso os familiares do paciente devem
receber apoio da equipe terapêutica.
7) Por que o
tratamento para dependência de cocaína é dividido em fases?
Porque não ocorre instantaneamente, é um longo processo.
O indivíduo fica mais confiante, sabendo que está sendo acompanhado
de perto, e consegue comprometer-se a parar o uso da cocaína até
a semana seguinte, um espaço de tempo relativamente curto (WASHTON,
1989).
8) Para que
serve a medicação?
A medicação pode ser usada para tratamento de condições
associadas à dependência de cocaína (ex: Depressão).
Infelizmente, ainda não se descobriu um medicamento eficaz
para tratar a vontade que o indivíduo tem pela cocaína, o que poderia
impedi-lo(a) de usar a droga.
A medicação poderia atuar antagonizando os efeitos da cocaína,
fazendo a pessoa se sentir mal ao usá-la ou mesmo substituindo a
cocaína (sendo nesse caso um composto menos tóxico). Vários medicamentos
já foram testados, sem sucesso real.
É importante reforçar que qualquer medicação não terá sucesso
no tratamento da dependência de cocaína, se não for usada em conjunto
com as outras estratégias de tratamento já expostas.
9) Quando internar?
A internação é necessária quando:
- O indivíduo dependente de cocaína fica perigoso(a) para si e/ou para os outros (ex: fica agressivo(a), tenta o suicídio);
- Apresenta problemas clínicos ou psiquiátricos graves, exigindo cuidados intensivos;
- É incapaz de parar a droga, não conseguindo fazer o tratamento em Ambulatório.
10) O que é
a abordagem multidisciplinar?
O médico, sozinho, pouco pode fazer pelo dependente de
cocaína, devendo então contar com uma equipe multidisciplinar, tentando
assim abordar o indivíduo dependente e seu problema da forma mais
completa possível. Essa equipe é composta, além do próprio médico,
por enfermeiro, psicólogo, terapeuta ocupacional, terapeuta familiar,
etc.
O enfermeiro pode motivar o indivíduo a manter o tratamento,
o psicólogo pode abordar problemas de sua vida (muitos deles decorrentes
da droga), o terapeuta ocupacional pode ajudá-lo a planejar suas
atividades, o terapeuta familiar pode abordar problemas familiares
decorrentes da droga. Há em cada uma dessas áreas, uma série de
técnicas que pode ser aplicada por esses profissionais, no sentido
de o tratamento funcionar da melhor maneira possível.
O médico coordenará o funcionamento da equipe multidisciplinar,
além de tratar as complicações decorrentes do uso da cocaína, estipular
o contrato e orientar o dependente e a família.
A Reabilitação é o resultado de todos os esforços combinados,
em que o indivíduo dependente de cocaína passa a conduzir sua vida
de outra forma, e a cocaína não mais participa.
Concluindo, a equipe multidisciplinar é importante no tratamento,
que é difícil (mas não impossível!). Tudo dependerá, em essência,
do indivíduo dependente de cocaína e de sua motivação para se tratar.
FONTE:
polbr.med.br
Dr. Guilherme Rubino
de Azevedo Focchi
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP
Dr. Marcos da Costa
Leite
Doutor em Psiquiatria pela FMUSP. Coordenador da Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC
Doutor em Psiquiatria pela FMUSP. Coordenador da Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC
Referências:
CARROLL,M.-
Cocaine and Crack. N. J., The Drug Library, 1994,
pp. 50-88.
- BERNIK, M. A.- "Planificação do Tratamento de Alcoolistas." In: Fontes, J. R. A. ; Cardo, W. N. (eds): Alcoolismo: Diagnóstico e Tratamento. São Paulo, Sarvier, 1991.
- WASHTON, A. M.- Cocaine addiction: treatment, recovery and relapse prevention. New York, W W Norton & Company, 1989.
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