UMA BOMBA NA FAMÍLIA

Fonte: Revista crack ano I, nº I, por Walnei Arenque; Psicóloga clinica e também trata dependentes químicos.

UMA ANÁLISE SOBRE QUANDO O PROBLEMA ATINGE A FAMÍLIA E DE QUE MANEIRA OS PAIS COSTUMAM SE COMPORTAR.
No inicio dos anos 80, o crack foi introduzido nos bairros pobres de Nova Iorque por jamaicanos. No Brasil, tem-se noticia da sua chegada na década de 80 e, de uma forma muito rápida, tomou conta de muitos lugares na cidade de São Paulo, principalmente em bairros periféricos.
O crack consiste na mistura de cocaína e água com alguma substância básica que normalmente seria a soda cáustica ou bicarbonato de sódio. Quando aquecidas, essas substancias se juntam e se cristalizam, endurecem formando pedras (nome popurlamente usado), que são fumadas em pequenos cachimbos, normalmente feitos de forma artesanal e precária. Considerando uma das drogas mais potentes e viciantes, o crack consegue ser ainda mais cruel e mortífero, instalando-se assim, rapidamente e de forma assustadora, uma dependência física e psíquica.
DEPENDENCIA
Quando pipada (termo usado pelos usuários), o crack leva apenas 15 segundos para atingir o cérebro. Os efeitos causados, imediatamente, são devastadores: pupilas dilatadas; olhar perdido – ocorrem de uma forma persecutória; lábios, línguas e rosto queimados, devido à proximidade do isqueiro no cachimbo; euforia; desinibição; agitação psicomotora; taquicardia; aumento da pressão arterial; sudorese – podendo ser acompanhado de alucinações e delírios.
Com o uso crônico, os sintomas são: dores de cabeça; tonturas; desmaio; problemas respiratórios; anorexia; desnutrição; perda de peso, insônia; fadiga; convulsões; perda do desejo sexual; perturbações da memória; comportamento violento.
É importante perceber que o dependente de crack fica com seu comportamento completamente dominado pelo vicio, onde, ao contrário de outras drogas, o usuário nem mais dissimula, pois perde o controle da situação. A dependência vem em menos de dois meses de uso – e a degradação é muito evidente!
O dependente, por estar completamente “fissurado” em usar o crack, pode chegar até mesmo a assaltar sua própria casa. Um comportamento violento domina o dependente. O tratamento é longo e de difícil recuperação, pois após um ano sem uso o dependente pode ainda sentir impelido a usar a droga.
DIFÍCIO DIAGNÓSTICO
É importante que o dependente fique ligado aos profissionais que o ajudou, pois recaídas fortes fazem parte do processo de cura do crack. A família de um dependente químico sempre fica sem saber como e onde iniciar um tratamento, isto para todos os tipos de drogas.
Inicialmente a família tem dificuldades em perceber que há um dependente químico na família, pois juntamente com o dependente ela também nega a existência da doença. Então, “vai levando”, fingindo que nada está acontecendo e que não passa de um dia esporádico – “acreditando” que, na verdade, deve ter sido um pileque que não vai se repetir.
Com o passar do tempo vão percebendo que não se trata de um simples pileque, pois além de coisas começarem a desaparecer dentro de casa, o dependente dificilmente consegue estabilidade em suas atividades normais, corriqueiras.
A família passa a admitir que alguma coisa esta acontecendo, mas ainda não tem certeza do que se trata. Não podemos esquecer que a pessoa comumente não tem experiência nem conhecimento de drogas. A família se perde.
Quando conseguem perguntar ao dependente o que esta acontecendo, ele sempre vai negar qualquer coisa, isso porque a mentira é um sintoma inevitável ao dependente no início.
A principio, ao ser indagado, ele diz que a família esta louca. Como a família ainda não tem evidências, começa aqui processo de confusão. Na busca de alguma prova, pois a família começa a ter consciência devido a várias ocorrências estranhas aos hábitos do dependente, ao encontrar alguma pista, depois de vascular todos os pertences e inclusive o quarto, o dependente diz: Isso não é meu, é de um amigo. As mentiras são persistentes.
A família aí começa a ter uma grande desconfiança, mas guarda isso tudo em segredo para que ninguém saiba, tem vergonha. No caso do crack, especificamente, a família vai perceber a realidade e aí começa uma desestrutura onde se procura um culpado para o fato de haver um dependente dentro de casa. As pessoas da família que ocupam o mesmo teto começam a julgar uns aos outros. Neste momento ainda não se procura ajuda, perde-se tempo em acusações e o dependente continua o uso.
A cada momento de crise intensa, o dependente jura por tudo e por todos que será a ultima vez e, com isso a família ainda resiste a procurar ajuda acreditando nas mentiras do usuário. Nunca devemos esquecer que dependente químico MENTE – é seu pior sintoma.
Chega então o momento que a família já não acredita mais e começa a envolver parentes, amigos mais próximos, contando o segredo, neste momento, todos os próximos e não próximos já sabem, eles têm mais facilidade em perceber que a própria família – isso por conta de não sentirem a culpa e não participarem do autoengano que os laços intensos familiares permeiam.
HORA DE BUSCAR AJUDA
A família fica sem saber a quem recorrer, tem dificuldades, não conhece os mecanismos, os profissionais e instituições. Neste momento, a família está desestruturada, tentando manter o máximo de cumplicidade entre si, mas, ao mesmo tempo, um joga para o outro a responsabilidade de busca pelo tratamento.
Dormem acordados. Todos têm medo e não sabem por onde começar – ou quem vai começar.
É até muito comum uma pessoa fora desta “teia” trazer informações. O dependente continua o uso e as conseqüentes mentiras, o engodo. Não quer ajuda!
Quando a família encontra um profissional, em minhas experiências, normalmente quem vai à consulta é a mãe, sempre culpada e se desculpando.
São lágrimas de sangue branco que lhes correm a face. Desespero! A mãe vai, a família a muito custo, mas o dependente ainda não aparece.
Quando trazido pela família, depois de muito esforço, a principio parece que tudo vai desabar. O dependente sempre nega ajuda, diz que a família – a mãe, principalmente – esta aumentando, que não passa de uma vez.
Iniciam brigas e mais brigas. O dependente continua a consumir, pois está muito comprometido com a droga, sempre achando que pode parar quando quiser. Muito importante aqui é a empatia que o dependente pode vir a criar com o profissional de ajuda, mas não se iluda, ele ainda vai continuar com seu sintoma maior: “a mentira”.
As brigas já não adiantam mais, a família já se encontra quebrada e,por fim, até mesmo cansada e desacredita, muitos familiares se recusam a também entrarem no tratamento afinal “eu não sou doente”. Comumente insisto que participem de um grupo de ajuda a dependentes químicos, pois assim eles terão maior conhecimento das artimanhas, armadilhas. Saberão, através das sessões, como ajuda o dependente e a não serem mais conviventes com suas notáveis formas de induzir às desculpas. Nem todas as famílias aceitam e, muitas vezes, apenas um membro acaba participando.
Somente quando cai a casa, gíria usada por eles, é que resolvem ceder por um tempo ao tratamento. Dificilmente procuram ajuda por conta própria, dificilmente aceitam que estão doentes. A família fica sempre dividida e as relações passam a não ser mais as mesmas, já não se sabe como lidar com as próprias emoções.
RESGATE?
Na necessidade iminente de uma intervenção, parentes que não participam de um tratamento não sabem por onde começar. No meu caso, no ultimo atendimento a dependência química, a mãe liga desesperada: o filho está, há uma semana, trancado dentro do quarto, cheirando cocaína e usando crack. Ela não sabe o que fazer, tem medo, tem raiva, tem compaixão e não quer, em hipótese alguma, chamar o resgate. Afinal, o que vão pensar os vizinhos? Até neste momento há uma negação: Ele está dormindo agora, vou deixar um pouco, quem sabe ele melhora.
Para tratamento com dependentes químicos, acredito que só uma equipe multidisciplinar para acudir a família e o doente. A família fica doente junto, só que outra doença: a do desespero, culpa, incerteza, pieguice e outras tantas...

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